Economia do Cuidado e o "Puxadinho" da Diária

Economia do Cuidado e o "Puxadinho" da Diária

A rotina silenciosa que sustenta lares e famílias, o trabalho de cuidado, permeia cada minuto da vida moderna, mas permanece teimosamente invisível nas contas oficiais do Produto Interno Bruto, a Economia do Cuidado é um universo vasto, que engloba desde o preparo de refeições e a limpeza da casa até o apoio emocional e físico a idosos, crianças e pessoas com enfermidade. É um trabalho essencial que permite a outros membros da família estudar, trabalhar e participar da vida pública. No entanto, é majoritariamente não remunerado ou sub-remunerado, relegado à esfera privada e tradicionalmente associado ao papel feminino. 

Dentro desse cenário, a diarista brasileira emerge como um símbolo doloroso dessa desvalorização. Contratada para tarefas de limpeza, ela frequentemente se vê absorvendo também a responsabilidade de cuidar dos filhos dos patrões, de acompanhar um idoso, ou de realizar funções que vão muito além de suas atribuições originais. E o mais perverso é que essa expansão de responsabilidades raramente vem acompanhada de um reconhecimento financeiro adequado. O custo dessa dupla jornada é altíssimo: a diarista deixa seus próprios filhos em casa, muitas vezes aos cuidados de vizinhos ou parentes, para garantir a subsistência, criando uma "ponte invisível" de cuidado que sustenta a vida de outros enquanto a sua própria é sobrecarregada e fragmentada. A sobrecarga física e mental, a falta de tempo para lazer e descanso, e a ausência em momentos cruciais da vida familiar tornam-se cicatrizes dessa realidade.

A principal razão para essa invisibilidade reside na forma como a riqueza é tradicionalmente medida. O PIB (Produto Interno Bruto), nosso principal termômetro econômico, falha grotescamente em capturar o valor gerado pelo trabalho de cuidado não remunerado. Ele mede transações de mercado, não o esforço que permite essas transações. Se uma família paga por serviços de creche ou asilo, isso entra no PIB. Mas se uma avó cuida dos netos ou um filho cuida de um pai idoso, essa contribuição vital é economicamente inexistente para as estatísticas.

Essa falha não é apenas metodológica; ela tem consequências diretas nas políticas públicas. A desvalorização impede investimentos adequados em infraestrutura de apoio ao cuidado, como creches de qualidade, programas de assistência a cuidadores e flexibilização do mercado de trabalho que permita a divisão equitativa das responsabilidades familiares. Sem dados claros e reconhecimento, as decisões governamentais tendem a ignorar essa força de trabalho essencial, perpetuando o ciclo de precarização.

Reconhecer e valorar a Economia do Cuidado é um imperativo social e econômico. Uma das propostas mais discutidas é o desenvolvimento de um "PIB do Cuidado" ou contas satélites que quantifiquem essa contribuição, seguindo exemplos internacionais. Isso tornaria o invisível visível e permitiria a criação de políticas públicas mais assertivas.

Além da mensuração, são cruciais as políticas de suporte. Isso inclui a expansão massiva de creches e escolas em tempo integral, programas de apoio e capacitação para cuidadores de idosos e pessoas com enfermidade, e a promoção de uma cultura de remuneração justa e direitos trabalhistas plenos para quem atua profissionalmente no cuidado, garantindo que o "puxadinho" da diária seja reconhecido como uma função que demanda compensação adicional. A flexibilização do mercado de trabalho e o incentivo à divisão equitativa das responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres também são passos fundamentais.

A valorização desse serviço é um pilar para a equidade de gênero, pois permite que mulheres, desproporcionalmente encarregadas dessas tarefas, tenham maior liberdade para buscar oportunidades no mercado de trabalho formal ou outras esferas da vida. Mais do que isso, é um caminho para a melhora da qualidade de vida de todos – tanto de quem cuida quanto de quem é cuidado.

Ao reconhecer o cuidado como uma responsabilidade social e não apenas uma questão individual ou familiar, damos um passo gigantesco em direção a uma sociedade mais justa, empática e solidária. O "puxadinho" da diária não deve ser uma realidade aceita, mas um catalisador para uma nova percepção e valorização do cuidado em todas as suas formas. É hora de construir uma sociedade onde o bem-estar e a dignidade de todos sejam prioridade, começando por valorizar o trabalho que nos permite existir.

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